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A escalada

Ao saudoso amigo Sérgio Cambraia

O Sérgio Cambraia foi um cara diferenciado. Excelente odontólogo, possuía uma psicologia invulgar para tratar de pacientes medrosos como eu. Seu humor era invulgar e invejável e, por isso mesmo, estava sempre de bem com a vida. Várias vezes o encontrei na calçada do seu consultório, contemplando a vida e as pessoas que passavam e filosofando. Foi numa tarde de sol escaldante em que conversávamos subindo a Barão do Monte Alto, quando vimos a moça da saia mais justa que salário mínimo. Os bares e o trajeto da moça são, obviamente, ficcionais.

Era uma bela moça, dos seus vinte e poucos anos. A sensualidade sempre fora o seu forte. No andar insinuante, no olhar, que trazia um misto de malícia e de recato, tudo lhe aflorava espontaneamente. Não havia gestos estudados. Tudo lhe era natural.

A sensualidade não é alguma coisa que se constrói artificialmente. Nasce e se desenvolve com a pessoa que a possui, naturalmente. Quando não consciente, a sensualidade reveste-se de inocência; quando consciente, pode se transformar em instrumento de conquista e de poder pessoal. Certamente era o caso da moça que passava.

A tarde, iluminada pelo sol a pino da metade do dia, e aquele céu azul eram apenas um pano de fundo para ela. E aquele sol salpicava-lhe os braços e o rosto com minúsculas gotas de suor que mais pareciam gotas de cristais, acentuando-lhe o encanto.

E ela ia, imersa naquela justíssima saia, escalando, não sem dificuldade, aquela ladeira íngreme. Cada passo era uma estratégia para combinar o equilíbrio nos saltos com a sensualidade do andar. Mas a garota ia ladeira acima e, à medida em que escalava a íngreme rua, a justa saia ia escalando a sua região glútea centímetro por centímetro e no que escalava, levava consigo a borda da saia e os olhares inocentes dos homens e invejosos das mulheres.

Diz a lenda que quando Zeus quis castigar os homens, presenteou Epimeteu com uma mulher. Uma belíssima mulher chamada Pandora, um nome que significa “a que tem todos os dons”. A moça da ladeira parecia possuir também todos os dons que a natureza poderia lhe oferecer. Por isso era natural que arrastasse olhares de desejos, de ciúmes e de invejas. Não era sua culpa.

Não demorou muito para que ela, em passos ligeiros e repicados, agora já vencida a ladeira, atingisse a praça da Matriz. Atravessou o imenso jardim, deteve-se um pouco sob uma frondosa amendoeira, absorveu com um lenço umedecido as pequeninas gotas de suor do rosto e galgou a calçada em frente.

À frente do primeiro bar, atraiu os olhares dos homens que bebiam. Alguns vieram à porta para contemplar a obra da natureza que passava. E assim nos dois bares seguintes. No terceiro, um velho, sentado à porta, levantou-se, descobriu-se do chapéu e contemplou a moça como se contemplasse fragmentos do passado. Seus olhos encheram-se de um brilho que não experimentava há anos. Abriu-se em um sorriso amplo de satisfação. O Sérgio, que caminhava comigo logo atrás da moça, olhou para o velho senhor e perguntou:

– O senhor ainda gosta dessas coisas…?

– O tempo passa, mas não apaga os prazeres da memória ! – respondeu o velho senhor.

– Mas com essa idade o senhor ainda…

– Oh, não – completou o senhor – mas me dá uma aflição…!

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