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O meu jardim

Há muitos anos, no tempo em que os espaços urbanos eram mais amplos, principalmente nas cidades do interior, as casas possuíam quintais imensos onde vicejavam pomares com as mais diversas árvores frutíferas. Eram goiabas, mangas, figos, carambolas e algumas frutas que hoje quase não mais se veem, como as pitangas, os araçás e os sapotis. Durante grande parte do ano essas frutas eram a alegria dos pássaros e dos meninos.

As mães faziam doces de cidra e de goiabas e de figos, e aqueles odores de delícias percorriam toda a rua. Depois, eram seguidos por aquelas travessinhas de louça, cobertas com guardanapos de linho, para a vizinha amiga provar. A travessinha só voltava na semana seguinte com o agradecimento da vizinha em forma de outro saboroso doce. Não era de boas maneiras devolver a travessinha vazia. Eram gentilezas habituais entre verdadeiras “experts” na arte da culinária. Cada casa tinha o seu livro de receitas, memórias familiares de gerações passadas. A minha vida de infância era assim, poética e saborosa.

Com o tempo, a valorização imobiliária eliminou os quintais e o distanciamento das relações amistosas, aliado a fatores econômicos, se encarregou de eliminar as gentilezas. O mundo urbano ficou mais frio.

Algumas casas, como a da minha infância, além de um imenso quintal, tinham também um jardim. A minha tinha um jardim com rosas de fazer inveja a quem passasse. As mudas vieram de Petrópolis. E era fácil ver aquelas rosas, pois o limite com a calçada era um gradil de um metro de altura e um portãozinho de nada que quase sempre ficava aberto ou encostado. Não existiam assaltos e muito menos vandalismos.

Hoje a minha casa não tem quintal, mas tem um jardim, um jardim pequeno em extensão, mas imenso em significados. A ixora vermelha e em alguns pontos polinizada de amarelo, floresce o ano todo. Mas não é a ixora e nem os vasos de gerânios, avencas e violetas, apenas, que dão alma ao jardim da minha casa. O que faz a diferença é a Bené, uma jabuticabeira com quase 25 anos de idade que se ergue imponente no centro do jardim. Quando a comprei, há mais de duas décadas e com pouco mais de um metro de altura, foi de um vendedor de um caminhão de mudas, mentiroso como ele só. Disse-me na época, que ela daria frutos em um ano, pois era de enxerto e ele garantia. Nunca mais o vi em nossa cidade e a jabuticabeira só deu frutos 19 anos depois. Mesmo sem dar frutos, eu mantinha aquela árvore durante anos, alimentando-a com água, adubo e zelo. Zelo, não mais pela esperança de frutos, mas pela beleza da folhagem verde que sombreava o jardim em dias de sol escaldante.

Mas um dia, não sei se por sina ou agradecimento, a Bené floresceu. No primeiro ano, timidamente, mas nos anos seguintes cobria-se toda de seus frutos negros e brilhantes e mais doces que o mel. E não parou mais de produzir seus frutos. Este ano ela se superou e frutificou duas vezes. Ainda está carregada da base do caule aos galhos mais altos.

Durante o dia, sanhaços azuis celestes e um casal de sabiás se fartam de seus frutos. No turno da noite, morcegos frutívoros esvoaçam pelo jardim, dependuram-se acrobaticamente em seus galhos e sugam o néctar das jabuticabas negras como eles. Não tenho mais o quintal da minha infância e nem a idade saudável daquela época distante, mas tenho um jardim que me remete àqueles tempos todas as vezes que a Bené frutifica. Não divido a paisagem e o prazer da contemplação com os passantes da rua, pois a violência e a insegurança urbanas transformaram o gradil baixinho de outrora em um alto e indevassável muro, pessoalizando ainda mais o meu jardim.

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