MEMÓRIAS MUSICAIS
Adellunar Marge
Não é que o tempo passa, a gente é que passa pelo tempo e, ao passar, carregamos em nossa memória as lembranças daquilo que vivemos. Algumas lembranças se apagam, principalmente aquelas que pouco nos marcaram. Outras, permanecem vivas em nossa mente. Mas todas elas, de uma maneira ou de outra, acabam fazendo de nós aquilo que nós somos.
A música, por exemplo, é uma dessas emoções agradáveis que tocam o nosso sentimento e permanecem em nossa memória. Cada época ou geração é marcada de uma maneira mais ou menos profunda por aquele gênero musical que viveu. Em minha adolescência, vivi um momento de transição entre os sucessos musicais daqueles pesados discos de acetato de 78 RPM, tocados em toca-discos manuais pelos meus irmãos mais velhos, em que desfilavam: Vicente Celestino, Francisco Alves, Orlando Silva, Carlos Galhardo e a nova música que surgia e encantava a juventude. Gravações em vinil de 45 RPM ou 33 RPM, tocadas em Eletrolas já com braço automático em que escutávamos “La Barca”, “Tu Me Acostumbrastes”, “História de um Amor”, “Sabrás Que Te Quiero”, “Besame Mucho”, “Perfume de Gardênias”, nas vozes de Lucho Gatica, Roberto Yanés, Trio Los Panchos ou do bigodudo Bienvenido Granda. O Brasil se rendia àquelas pérolas musicais da América espanhola no ritmo mais envolvente dos boleros. Cuba, ainda sob o governo de Fulgêncio Batista, reinava absoluta nos boleros. É claro que, paralelamente escutávamos também por aqui, Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Billy Holliday, Big Crosby, Nat “King” Cole e outros gênios da música americana.
Depois, tivemos a invasão do Rock americano com o império absoluto de Elvis Presley, que entorpecia a juventude com baladas como “Can’t Help Falling in Love”, “Always on My Mind” ou o ritmo alucinante de “Blue Suede Shoes” e “Jailhouse Rock”. Além dessas músicas, traduzia-se rocks e baladas como “Estúpido Cupido”, “Biquini Amarelinho”, “Calhambeque”, que eram cantados por Celi e Tony Campelo, Sérgio Murilo, Rony Cord, Roberto Carlos e tantos outros. Era uma nova fase que surgia e que animava os corações da juventude daquela época de ouro.
Desses anos 60 tenho ótimas recordações. Foi um tempo em que vivia no Rio de Janeiro, ainda sem a violência dos dias atuais. Tempos em que, em vez de assaltantes à mão armada, o grande perigo da Cidade Maravilhosa eram os “Batedores de Carteira”, uma versão romântica e não violenta do furto.
Mas bom mesmo eram as tardes de sábado no auditório da TV-Rio, na Avenida Atlântica, quando assistíamos ao programa: “Hoje é Dia de Rock”, animado por Jair de Taumaturgo, onde desfilavam as maiores expressões da “Jovem Guarda”. Grande parte era radicada no Rio de Janeiro, outros, vinham de São Paulo, como Jerry Adriani, Wanderley Cardoso e outros.
Essa rica diversidade musical, aliada à formação proporcionada pelo saudoso Cônego Ivo no Colégio São Paulo, que ofertava aos alunos durante os intervalos, um invejável repertório de Beethoven, Wagner, Tchaikovsky ou as clássicas árias italianas, acabaram nos moldando a um gosto eclético que perdura até hoje.
Não posso voltar a um tempo que passou, mas posso revisitar os momentos que vivi naqueles tempos. Por isso, continuo colecionando lembranças de hoje para revisitá-las nos amanhãs que me restarem…