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Legislando em causa própria

Já utilizei este espaço em outra oportunidade para dizer que escrever sobre a política brasileira é um exercício de paciência e, às vezes, até enfadonho, para quem tem a obrigação de fazê-lo semanalmente num jornal que cresce e procura, a cada dia, de forma imparcial, ocupar dignamente o seu lugar.

Imagino que o leitor possa estar pensando da mesma forma, e talvez, já esteja também se sentido enfastiado com tudo o que acontece nos meandros da política brasileira e pode ser que anda se perguntando o porquê do articulista continuar batendo na mesma tecla. Em resposta a esta eventual indagação, digo que faz parte, até porque foi essa a missão que me deu a minha editora-chefe, que não por acaso, raramente abre mão das suas convicções. Resta-me, portanto, obedecê-la, registrando, entretanto, a grande responsabilidade que é fazer com que algum leitor se interesse pelos artigos escritos.

É que a política praticada no Brasil não muda. Como no circo, mudam-se alguns artistas, mas o espetáculo é sempre o mesmo. Isso, naturalmente, sem querer ofender os profissionais do picadeiro. O que nos deixa indignados é a forma como agem quase todos, com raríssimas exceções, para fazerem os conchavos partidários que lhes permitam a chance de chegar ao poder. Não há nenhum mal em se chegar ao poder. Isso é a tônica da democracia, desde que o fim não justifique os meios e que esse poder não seja um poder corrompido.

Hoje, com 35 partidos perambulando pelo país, alguns deles sem conseguir se firmar perante o eleitorado e ainda tentando um lugar ao sol, joga-se no lixo a história do antagonismo, próprio da democracia, das ideologias e principalmente os ideais, para prevalecer o baixo oportunismo, imoral e antiético, consagrando o velho chavão popular de que, “o sol nasceu para todos, mas que a sombra é somente para os espertos”. É certo que não cabem tantas ideologias na História. Entretanto, há uma grande bolada no Orçamento – cerca de R$ 7 bilhões – para ser repartida entre os partidos que conseguiram representação no Legislativo. Orçamento que, diga-se de passagem, nunca é questionado e que contém dispêndios sem transparência e sem uma fiscalização eficiente. Em tempos de crise fiscal e de contingenciamentos que atingem a saúde, a educação, projetos sociais e até a economia, sobra dinheiro para os partidos políticos e, principalmente para os seus caciques, contabilizado na rubrica de despesas para bancar o nosso sistema democrático.

Nas últimas eleições, houve uma renovação no Congresso de cerca de 40%. A renovação do Legislativo foi, sem dúvida, uma esperança de dias melhores para o país. Foi isso que o povo sinalizou com o resultado das urnas em 2018.

Agora, como dizem os irônicos, “para variar”, foi aprovado na calada da noite, na Câmara dos Deputados, um projeto que reduz a transparência na prestação de contas de campanhas eleitorais. Entre as propostas aprovadas estão a prorrogação de prazos para a prestação de contas, a possibilidade de utilização de quaisquer sistemas de contabilidade disponíveis no mercado, a concessão de mais tempo para a correção de dados e até a permissão de uso dos recursos públicos para pagar advogados, além da compra de imóveis feitas por legendas. Este projeto seria votado esta semana no Senado, também a “toque de caixa”. No entanto, depois da gritaria da imprensa, que fez o seu papel de divulgar a falcatrua, foi retirado de pauta. Em outra frente, o Congresso articula aumentar ainda mais os recursos a serem disponibilizados aos partidos políticos para as eleições do próximo ano. Estão, portanto, na contramão de tudo que o povo imaginou, ao colocar novos representantes no Congresso Nacional. Não é fácil derrubar o sistema, mas é preciso que o povo esteja sempre atento. Continuam legislando ou tentando legislar em causa própria. As votações de projetos de leis feitas na calada da noite pelo Legislativo, de forma açodada, sem divulgação e sem debates com a população, só beneficiam aos corruptos e à corrupção. É como declarou o ministro do STF, Luiz Fux: “A era hoje é a Era da Transparência. E, com dinheiro público, o segredo não pode ser a alma do negócio”.  Faz sentido, não?

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