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A instância poética

A poesia é uma instância da alma, um atributo do homem e à sua forma de expressar o que sente, em uma linguagem própria. A poesia está presente em todos os povos e em todas as épocas.

Mas, se a inspiração poética é espontânea, a sua expressão carrega muito de racionalidade. Não é à toa que a própria palavra “poesia” tem sua origem no termo “poiesis”, do antigo grego, que significa criação, ação ou capacidade de produzir ou fazer alguma coisa, especialmente de forma criativa. Poesia tem uma relação estreita com estética “aisthesis”, que significa sentir. O homem sente a “emoção estética” quando lê ou ouve um poema ou quando admira uma obra de arte ou uma paisagem que o toca interiormente.

Na literatura, a força poética está na palavra, seu veículo de expressão, e a palavra é trabalhada pelo poeta ou escritor como o ouro pelo ourives ou como o diamante é lapidado para se transformar em uma joia. E nada é tão complexo como a palavra, o verbo, o “logos”. Às vezes, as palavras parecem mortas no cemitério estático dos dicionários ou nos recantos esquecidos da mente. De repente, acordadas pelo poeta ou escritor, despertam de sua letargia e podem mover o mundo ou incendiar paixões, como podem aquietar os ânimos e embalar os sonhos.

Não é fácil trabalhar a palavra e conferir-lhe a força poética. Drumond já dizia que “lutar com palavras é a luta mais vã… e eu luto com elas mal começa a manhã…”.

Para ilustrar bem essa pequena prosa sobre palavra e poesia, nada melhor do que visitarmos o excelente poeta lusitano Antônio Gedeão. O grande poeta português nasceu em Lisboa, em 1906 e faleceu na mesma cidade em 1995. Em sua obra “Poesias completas”, podemos contemplar e sentir toda a força poética de sua obra, da qual reproduzo alguns fragmentos:

AMOSTRA SEM VALOR

Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransferível;
com ele se entretém
e se julga intangível.

Eu sei que a humanidade é mais gente do que eu,
sei que o mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa no total que tende para o infinito.

Eu sei que as dimensões impiedosas da vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.

GOTA DE ÁGUA

Eu, quando choro,
não choro eu.
Choro aquilo que nos homens
em todo o tempo sofreu.
As lágrimas são as minhas
Mas o choro não é meu

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