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Os homens da capa preta

Um julgamento, além, é claro, da elevada importância e seriedade de que se reveste, pode ser também um espetáculo de primor estético se os defensores e acusadores tiverem o domínio da palavra para expor o seu pensamento. Pertenci ao corpo de jurados, os chamados “juízes sem toga ou sem aquela capa preta” por cerca de 30 anos e aprendi muito naquelas salas circunspectas de um Tribunal de Júri. Hoje, como todos os brasileiros, assisto pela TV aos julgamentos das nossas Cortes Supremas. Como todos os telespectadores, não tenho nem voz e nem voto nos julgamentos, mas em meu foro íntimo, continuo julgando.

No final, os brasileiros depositam as suas últimas esperanças nos “homens da capa preta”, como se pudessem ser a redenção de uma consciência coletiva.

O resultado do último julgamento ficou muito longe do que a população esperava. O povo esperava, e espera, uma punição exemplar, não só para a chapa Dilma e Temer, mas para todos os membros de uma quadrilha que se instalou no Brasil corrompendo todos os níveis de poder, tanto poder político quanto poder econômico, principalmente nessas quase duas décadas.

Transmitido ao vivo pela mídia televisiva, o julgamento da chapa Dilma/Temer ficará perenizado na memória popular como verdadeiras aulas de desempenho histriônico, em que cada um dos julgadores, munidos de inegáveis recursos de oratória e de retórica, expunham figuras de linguagem jurídica e literária, numa competência digna de um Caio Túlio Cícero nos idos da Roma antiga.

As críticas que cada um fazia ao colega de capa eram verdadeiras peças de linguagem jurídica e tão interessantes de serem saboreadas pelos ouvidos, que até esquecíamos o julgamento em si.

A linguagem falada tem dessas maravilhas capazes de excitarem o nosso “paladar auditivo”, ainda mais se acompanhada da linguagem gestual, da expressão do olhar e… da pausa. Principalmente da pausa, que instaura e instala a dúvida e a ansiedade curiosa pela continuação do discurso. Eu gostei muito dos dias do julgamento e o assistiria de novo como o fiz dezenas de vezes com “E o vento levou”, “Casablanca”, “O Auto da Compadecida” e, principalmente, “O Poderoso Chefão”.

Aristóteles, no longínquo séc. IV a.C., naquela Grécia de excelentes oradores ou “rétoras”, como eram chamados, já descobrira que as representações, tanto das tragédias quanto das comédias, produziam no expectador o que ele chamava de “catarse”, que pode ser entendida como “purificação do espírito do expectador através da purgação de suas paixões, especialmente dos sentimentos de terror ou de piedade vivenciados na contemplação do espetáculo trágico”. Em Medicina, catarse tem outro significado, mas não é esse o caso.

Outros julgamentos virão, pois o nosso país possui um estoque inesgotável de crimes políticos e empresariais sendo apurados, e eu terei todo o meu tempo para assistir a todos eles com a máxima atenção como instrumento de aprendizagem de palavras e figuras de linguagem, de termos jurídicos, de linguagem gestual e daquele “pauseamento”, recursos linguísticos que tanto valorizam a exposição de um pensamento. Teve um que eu escutei, mas não fiz questão de aprender, que é a “modéstia às favas”, um tanto arrogante para o meu gosto. Mas, e o veredicto?  Ah… tem o veredicto…! Estava até me esquecendo… É, como diz o velho ditado: “Fica tudo como d’antes… no quartel de Abrantes”.

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