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Mercado de trabalho precisa de mais inclusão, afirmam especialistas

Deputado federal Misael Varella fala sobre projeto de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, no qual é relator

Por Jalila Arabi*

Todos os dias, Roselma da Silva Cavalcante, de 47 anos, cumpre uma agenda cheia. Para chegar ao trabalho, a cearense que mora no Distrito Federal há quase 40 anos pega o metrô, muitas vezes lotado. Sempre depois do trabalho, que é intenso, Roselma sobe em mais um ônibus e vai para a natação, atividade que faz questão de praticar todos os dias. Tudo isso seria natural se não fosse por um detalhe: Roselma teve paralisia infantil aos 12 meses de idade e tem o lado direito do corpo comprometido. Ela é uma das mais de 45 milhões de pessoas no Brasil com deficiência, segundo o último censo demográfico do IBGE.

As pessoas com alguma deficiência visual ou auditiva são maioria, segundo o censo. A deficiência motora vem em seguida e é a que mais mantém essas pessoas no mercado de trabalho. Dados divulgados recentemente pelo Ministério do Trabalho mostram que existem mais de 356,3 mil pessoas com deficiência trabalhando no Brasil, sendo 56,34% – ou mais de 200 mil – com alguma deficiência física. Roselma é uma delas e atua na área de empregabilidade de pessoas com deficiência desde 1998. Atualmente, ela está na Coordenação dos Direitos da Pessoa com Deficiência, localizada na Estação 112 Sul, no Metrô do DF. Lá, ela encaminha pessoas para empresas que queiram contratar.

Porém, Roselma nota que a maioria das empresas contrata apenas para funções de serviços gerais. Na opinião dela, ainda falta dar mais credibilidade às pessoas com deficiência em cargos mais altos. “É mais fácil você contratar uma pessoa que não tenha nenhum tipo de deficiência, porque muitos ainda vivem no ‘achismo’: eu acho que aquela pessoa com deficiência não consegue executar determinadas tarefas”, lamenta. Ainda bem que esse não foi o caso da analista de marketing recifense Karla Nunes, de 29 anos. Ela ocupa um cargo alto na empresa de telefonia TIM em seu estado e garante que não encontrou dificuldades nesse sentido, pois conseguiu se formar em um curso superior antes de entrar na empresa.

Apesar das boas condições no trabalho, Karla também passa por dificuldades na mobilidade. Aos 20 anos, decidiu sair da casa da mãe para aprender a se virar sozinha. Moradora da Zona Oeste de Recife, ela precisa pegar três ônibus para chegar ao trabalho e depois mais três para voltar. “É muito difícil às vezes, porque tem que contar com os elevadores do ônibus, que nem sempre estão funcionando”, relata. Além dessa limitação, Karla ainda expõe o que as pessoas com deficiência sofrem. “As pessoas ainda têm um pouco de preconceito. Acho que a empresa deve admitir pessoas com deficiência pela qualificação, não por cotas. Mas acho importante, a cota é necessária, porque estamos em processo de transição, de aceitação.”

Cotas

De acordo com a Lei 8.213, de 1991, a empresa que tiver 100 ou mais empregados deverá preencher entre 2% e 5% dos cargos com pessoas com deficiência ou pessoas reabilitadas. A proporção aumenta de acordo com o número de funcionários. Uma empresa até 200 funcionários, por exemplo, terá que dispor de 2% das vagas. Uma empresa que tenha entre 201 e 500 empregados, 3%. De 501 a 1.000, 4%, enquanto a empresa que tiver de 1.001 em diante deverá contratar 5% dos cargos para pessoas com deficiência.

Roselma da Silva Cavalcante se diz a favor das cotas diante da realidade atual. “As cotas são viáveis, sim. Você ter uma cota, de certa forma, inclui aquela pessoa, por mais que seja uma obrigação. Contratar essas pessoas não é um trabalho social”, avisa. “Queira ou não, a nossa sociedade ainda é discriminatória. É com o negro, mulher, idosos, pessoas com deficiência.”

Dentro dessas cotas, há uma categoria que não está incluída: a de aprendizes. Segundo o artigo 93, parágrafo 3º da Lei 8.213, a reserva de cargos é válida somente na contratação direta de pessoas com deficiência. Mikael Ramos, 20 anos, é um jovem aprendiz e tem prótese nas pernas. Ele tem o ensino médio completo e decidiu fazer o curso de assistente administrativo no Senai para se qualificar. Mikael participa de um programa de aprendiz dentro da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) e põe em prática aquilo que aprende no curso técnico. Ele garante que não se sente discriminado.

A coordenadora do Programa Senai de Acesso à Inclusão no Distrito Federal, Ana Luíza Brito, explica que os cursos disponíveis são abertos a todos e que as especificidades de cada aluno são atendidas. Por meio de entrevista, o candidato ao curso relata quais as dificuldades e a partir daí são tomadas as providências para a adequação. “Tudo para que a pessoa com deficiência esteja em igual condição com os demais alunos.”

Inclusão

Uma proposta de 2016 que está no Congresso Nacional quer alterar o parágrafo 3º do artigo 93. O projeto de lei 5260, de autoria do deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT), quer incluir a pessoa com deficiência na condição de aprendiz nas chamadas cotas. Para o relator desse projeto, o deputado Misael Varella (DEM-MG), a medida vai beneficiar especialmente as empresas. “A ideia é que a empresa possa começar com um aprendiz, conhecê-lo e depois fazer a efetivação dele.”

Kelli Tavares é co-fundadora de um site de empregos exclusivo para pessoas com deficiência, o Deficiente Online. São mais de 64 mil cadastrados no portal e mais de quatro mil vagas disponíveis exclusivas para pessoas com deficiência – inclusive para aprendizes. A ideia surgiu porque o esposo de Kelli nasceu sem uma das mãos. Ele é da área de tecnologia da informação e ela é de recursos humanos. Juntos, decidiram há dez anos criar o site.

O cadastro no Deficiente Online é gratuito e os fundadores também prestam assessoria para quem contrata pessoas com deficiência. Durante esse tempo, eles já atenderam 1,3 mil empresas. Kelli garante que os currículos cadastrados vão direto para os empregadores, sem intermediário, e as empresas informam no anúncio as condições de adaptação do local. “Claro que em um mundo ideal todas as empresas deveriam ser assim”, diz. Outra constatação de Kelli é que o mercado está se abrindo mais para essas pessoas.

Esse é caso da TIM, local de trabalho da Karla Nunes, que conhecemos lá no início. A gerente de RH da empresa, Renata Pimentel, afirma que o processo seletivo não é específico e que elas podem se encaixar em qualquer cargo lá dentro. “A nossa preocupação interna é, estando dentro da empresa, nós termos as condições de acessibilidade ou de alguma adequação que a pessoa precise para desempenhar as atividades como qualquer outro colaborador.”

*Com colaboração de Karenina Moss

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