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Assuntos que incomodam

Havia uma professora de inglês, lá pelos anos 70, muito inteligente e espirituosa. Seu nome era Márcia e ministrava aulas excelentes na Faculdade Santa Marcelina. Era amante da Literatura de um modo geral, mais especificamente da Literatura Inglesa e transitava com desenvoltura pelas obras de Shakespeare, Walter Raleigh, Allan Poe e tantos outros. Costumava dizer que não gostava daqueles sonetos que, em seu último terceto, traziam sempre um conselho moral do autor, como se ele fosse o senhor da verdade e da experiência existencial.

De época em época, principalmente em momentos de crise no mundo, aparecem aquelas enxurradas de frases feitas, de pensamentos “levanta ânimo”, dos mais diversos autores. Hoje, então, as redes sociais têm sido o veículo por excelência para a divulgação desses textos. E eles se repetem, pois as redes de WhatsApp se encarregam de divulgá-los e, às vezes, recebemos o mesmo texto várias vezes, remetidos por vários usuários da rede.

Alguns vêm escritos com um fundo musical apelativo, outros, narrados por aquelas vozes de locutores de rádio, empostadas e com entonações sentimentalistas para levarem os ouvintes às lágrimas. É claro que o efeito não é produzido propriamente pelo texto ou pela voz do narrador. O efeito é produzido justamente pelo estado de espírito do ouvinte, por sua fragilidade psicológica no momento, por sua carência afetiva.

Eu sei que muitos leitores não vão concordar comigo e podem até argumentar que esses textos ajudam as pessoas a saírem daquele buraco existencial em que se meteram, na maioria das vezes, por sua própria culpa. Mas é que chega um momento em nossa vida, talvez pela idade, pela experiência dos anos vividos ou por outros fatores, em que a gente passa a ser demasiadamente crítico e a desconfiar de frases milagrosas. A palavra, como já disse em crônica anterior, é um instrumento maravilhoso e sempre me atraiu. Gosto de estudá-la nos diversos significados que assume em um texto, estudar-lhe a etimologia, com o objetivo principal de conhecer melhor o seu poder de expressar o pensamento, ainda que tenha consciência de que a palavra não consegue traduzir com fidelidade tudo aquilo que pensamos. Primeiro porque o pensamento é muito denso e muito rápido e, segundo, porque a palavra não é o elemento ideal para essa função. Mas enquanto não dominamos a arte de conversarmos pelo pensamento, a palavra ainda é o melhor meio que temos para nos comunicarmos, porém é um instrumento muito valioso para ser usado em frases fúteis e apelativas. Para ser mal usada, é melhor que a deixemos quietinha no cemitério estático dos dicionários até que um bom pensamento a reclame para se expressar.

Enquanto isso, vamos recebendo centenas e centenas de pensamentos, frases e dizeres em nosso WhatsApp ou e-mail tentando nos “ensinar a viver”. Aí eu me lembro da adorável professora Márcia quando falava do último terceto daqueles sonetos.

Já tenho o hábito de, ao ler esses tipos de sonetos, interromper a leitura após o segundo terceto. Normalmente já sei o que vem depois.

Falei dessas frases e ditados, mas tem um ditado antigo que ainda sigo em minha trajetória existencial: “Não preciso que me apontem caminhos, eu sei errar sozinho”. Mas aqueles “pensamentos” que recebo no WhatsApp são demasiadamente numerosos e a velocidade com que são mandados é muito superior à minha velocidade para deletá-los. Preciso dar mais agilidade aos meus dedos para compensar essa diferença.

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