O ovo da serpente
Enfim chegamos ao final da novela pastelão do impeachment da Dilma. Chegamos? No Brasil exercitamos a arte de complicar o simples. É da natureza nacional conversar demais e resolver menos.
O óbvio e esperado por toda a nação brasileira era aprovar o impeachment da Dilma e cassar-lhe os direitos políticos por oito anos. Assim foi com o Fernando Collor e teria que ser também com a Dilma, pois, afinal, ficou provado no julgamento do Senado da República, presidido, inclusive, pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, que a “presidenta” não era “inocenta”. Mas o tiro não foi certeiro, passou de raspão. Amanhã ela volta como candidata ou, quem sabe, pode até ocupar uma Secretaria de Estado no nosso estado das Minas Gerais. Tudo é possível nesse nosso país.
Mas o pior não é isso. Pensam que não tem coisa pior? Tem sim. Abriu-se um precedente em nosso país. O Eduardo Cunha pode ter o seu mandato cassado, mas, pelos mesmos direitos que teve a Dilma, pode preservar os seus direitos políticos e voltar a ser candidato nas próximas eleições, e com grandes chances de ser eleito, e, artificioso como ele é, voltar a ser presidente da Câmara dos Deputados. E outros inúmeros políticos, que também têm acusações contra eles, também podem ser condenados, terem os mandatos cassados, mas perder os direitos políticos, ah… isso nunca. E o precedente da Dilma?
Mas e o critério da “Ficha Limpa” para ser candidato? Ah, isso se ajeita. É só invocar o precedente da Dilma.
Eu recuso-me a pensar que isso poderia ser um “acordão”: bem, gente, daqui pra frente ninguém fica mais inelegível, ninguém terá mais os seus direitos políticos cassados. Afinal, seria uma punição terrível para um pobre candidato corrupto, vítima talvez dessa sociedade burguesa, dessa política neoliberal. Como disse o senador filósofo: “Além da queda o coice?”. Isso é sofrimento excessivo para um pobre político. Então, em nome da justiça, fica decidido que faça o que fizer, nenhum político perderá o seu sagrado direito de candidatar-se novamente.
Comemoramos esta semana o dia da nossa independência política. Há 194 anos nos libertamos da metrópole portuguesa. O grito de independência às margens daquele pequeno riacho do Ipiranga foi apenas um ato simbólico, mas deveria ser um chamamento de libertação para todos nós. Mas uma libertação plena, não apenas de Portugal, mas principalmente dos vícios e mazelas que herdamos e cultivamos, da corrupção endêmica, da demagogia daqueles que ascendem ao poder através do estelionato eleitoral. O dia em que tivermos conquistado esse tipo de libertação, poderemos comemorar o nosso dia “7 de Setembro”, ouvindo cada palavra do nosso Hino Nacional e senti-lo calar em nosso peito com o verdadeiro sentimento de nacionalidade. Aí, então, não precisaremos nem de lei da ficha limpa ou outros artifícios, nós mesmos poderemos cassar os direitos políticos de um candidato corrupto pela força inexorável do nosso voto.