O inquilino

Não é a primeira vez que aquele casal de canários faz o seu ninho no beiral do meu telhado. O casal faz uso daquela moradia há um bom tempo e sem pagar um centavo de aluguel, pelo menos em espécie, pois em canto, o chefe da família paga com juros e correções. Enquanto a fêmea aquece os ovos para a formação dos filhotes, o macho ostenta a sua macheza de pai cantando a plenos pulmões aquela ária sonora de pouquíssimas notas, mas de trinados eloquentes e amorosos.

Ninguém ensinou os pássaros a cantar e nem a compor seus cantos, mas há milhares de anos eles expressam a sua natureza pelos sons afinados dos seus bicos. Alguns com um canto alegre e altissonante como os canários; outros, com notas suaves e melodiosas como o sabiá; e outros, com o canto triste e lúgubre, como as juritis e as corujas. Mas todos cantam a natureza da forma e do jeito que convém à sua natureza. Mas aluguel em espécie… “neca de pitibiriba”, aquele casal de canários jamais pagou pelo beiral do meu telhado, que já ocupa há um bom tempo.

Os beirais do meu telhado já foram residências de dezenas de andorinhas que se revezavam naqueles apartamentos quentinhos e bem protegidos sob as telhas. Já foram moradias de jacarés-de-parede, de garriças irrequietas e outros oportunistas. Todos se foram como vieram. As andorinhas é que ficaram um bom tempo. Mas um dia, não sei se pela chegada cada vez mais numerosa de canários, rolinhas e maritacas, as andorinhas, com seus elegantes trajes de festa, não fizeram mais verão por estas bandas. Nunca mais tive notícias delas.

Os canários, protegidos pela “lei anti-gaiola” do Ibama, multiplicaram-se em nossa rua e ficaram todos prosas. Enfileiram-se nos fios dos postes, sujam os carros e as calçadas com a consciência plena da impunidade e ocupam os beirais do meu telhado sem a menor cerimônia. O macho, meio que vigiando o pedaço, meio que encantando a fêmea que choca, fica ali, naquele muro baixo em frente às telhas, em seu concerto diário.

Certa vez, um filhote há pouco nascido e metido a esperto chegou à beira da telha e, no impulso atávico do voo que trazia dentro de si, atirou-se ao espaço pensando que podia voar ainda sem penas. Pena me deu quando o encontrei perdido pelo chão da área, desesperado ante a aproximação do felino da vizinha que já se preparava para o seu desjejum. Peguei o filhote trêmulo de frio e de medo e o coloquei em uma velha gaiola de arame, assaltado pela dúvida cartesiana: deixar o indefeso filhote à mercê do gato ou protegê-lo na gaiola e correr o risco de ser preso por transgredir a lei ambiental engaiolando pássaros? Optei pelo coração e o filhote ficou na gaiola, dependurada na parede próxima ao ninho. A zelosa mãe o alimentava pela grade todos os dias, e quando ele empenou-se e começou a voar nos poleiros da gaiola, eu, não sem um certo sentimento de perda, fiz que esqueci a porta da “prisão” aberta e o bichinho ganhou o espaço. Eu, é claro, ganhei o ódio do gato de quem eu surrupiara o desjejum. Ainda bem que a vida é feita de escolhas, e eu nunca me arrependi das minhas…

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