AS LIÇÕES DA GREVE NOS TRANSPORTES
Adellunar Marge
Se administrar uma casa não é fácil e exige cautelas e planejamento, imaginem administrar uma nação inteira, com suas crises e insatisfações populares, com a diversidade de cores ideológicas e as conseqüentes fórmulas que cada um pensa que é a melhor para os destinos do país. Ainda mais um imenso país como o nosso que comportaria dentro das suas fronteiras grande parte dos países das Europa. Mas as crises excitam as mentes na busca de soluções.
A greve nos transportes, por exemplo, deixou algumas lições importantes para o nosso país. De início constatou-se a independência do setor, que não permitiu que facções políticas pegassem carona no processo, tentando “misturar as coisas”. Algumas entidades, useiras e vezeiras dessas situações bem que tentaram. Mas o que ficou mais do que demonstrado foi a extrema dependência da economia brasileira em relação ao transporte rodoviário.
O erro é antigo. Iniciou-se nos meados dos anos de mil novecentos e cinqüenta, com a chegada de Juscelino Kubitschek à Presidência do país.
Com a proposta de fazer 50 anos de progresso em cinco anos de governo, JK iniciou o maior processo de industrialização ocorrido no Brasil, atraindo para o nosso país as montadoras de veículos. Não resta dúvida que a arrancada industrial alavancou o crescimento da economia, mas, justamente em função da falta de um planejamento, trouxe as conseqüências inevitáveis do histórico êxodo rural, o inchaço dos grandes centros e a favelização, uma vez que as montadoras e as fábricas de autopeças foram se localizando principalmente no eixo Rio-São Paulo em sua fase inicial, sem o devido planejamento para receber tão intenso fluxo migratório.
Optando pelo transporte rodoviário, extremamente caro em um país de dimensões continentais, o Brasil relegou a segundo e terceiro plano as ferrovias e hidrovias. Sem falar na necessidade onerosa de construção de extensas redes de estradas, normalmente sem a qualidade necessária para suportar o intenso trânsito de veículos pesados.
Os “caminhos rodoviários” que possuímos, chamados de rodovias, como o trecho entre Leopoldina e Juiz de Fora, sem acostamento, repleta de buracos e com intenso trânsito de caminhões e carretas, transforma aquele pequeno percurso de 80 km em um tormento e um exercício permanente de perícia dos motoristas.
É claro que temos que levar em conta ainda que o custo elevadíssimo do transporte rodoviário de cargas, em função de combustíveis, pneus e manutenção de veículos para cobrirem tão longas distâncias na imensidão do nosso país, onera o custo dos produtos e vai pesar no bolso do consumidor final. Transportar mercadorias dos Estados do Sul ou Sudeste para os Estados do Norte e Nordeste do país em “lombo de carretas” só é imaginável mesmo no Brasil.
Os Governos Militares bem que tentaram, principalmente na era Geisel, implantar as ferrovias, com a instalação e modernização da FNV-Fábrica Nacional de Vagões. Mas não é fácil lutar contra o lobby da montadoras que têm na fabricação de veículos pesados e das auto-peças, uma fonte inesgotável de lucros. Ferrovias e hidrovias ainda continuarão fazendo parte do sonho de todos nós.
Após tantas décadas de equívocos não será fácil trocar os transportes rodoviários de longo trajeto por linhas ferroviárias. A substituição tem que ser a médio prazo pois a desaceleração da indústria de caminhões e das auto-peças de montagem e reposição levaria a um elevado nível de desemprego e a um caos econômico.
A passagem tem que ser lenta e planejada para que o país se adapte. “Cinquenta anos em cinco”, como queria Juscelino, só demonstrou o que já afirmava o mais antigo dos ditados populares, que a pressa é inimiga da perfeição.