A casinha
Hoje, as sedes das fazendas adaptaram-se à modernidade e são dotadas de todos os confortos das residências das cidades. Possuem luz elétrica e algumas são equipadas com suítes e banheiros confortáveis e modernos. Grande parte delas não são apenas reformadas, mas restauradas por especialistas competentes que lhes devolvem a aparência e o esplendor de épocas passadas, acrescidos das modernidades do presente.
Mas houve um tempo em que a coisa era bem diferente. Além dos telhados com goteiras, não era comum a existência de banheiros dentro de casa. Os banhos eram tomados em bacias de zinco enormes ou tinas de madeira colocadas nos quartos. As necessidades fisiológicas, essas eram feitas em penicos esmaltados (alguns até de louça trabalhada), que eram colocados sob as camas. Do lado de fora das casas haviam as “casinhas”, construídas de madeira e instaladas sobre um córrego que passava junto à casa sede. Ali, de cócoras sobre um buraco na tábua que se abria sobre o córrego, o necessitado se livrava do incômodo. Devia ser uma luta quando a necessidade surgia à noite, intempestivamente, ou em dias de chuva.
Os fazendeiros, acostumados à dura luta diária e ao sacrifício de décadas para conseguirem aquelas terras, não se importavam muito com esses sacrifícios e abriam mão de ter banheiro dentro de casa. Nem para o banho, nem para as necessidades costumeiras. O uso das casinhas era uma herança cultural de longos anos.
Eu conheci um senhor que era assim. Dono de uma imensidão de terras espalhadas em três fazendas de áreas respeitáveis pela extensão e excelência dos terrenos e dono de centenas de cabeças de gado, ele não abria mão daquela casinha sobre o córrego que passava a menos de dez metros da sua cozinha.
Certo dia, eu fui a uma de suas propriedades onde residiam a sua filha e o genro, para orientar a instalação de uma setia para o moinho de fubá. Serviço terminado, sua filha ofereceu-me educadamente um café com broa de milho. Quando fui lavar as mãos no tanque externo, notei a ausência da casinha e perguntei ao fazendeiro:
– E a casinha que existia sobre o córrego?
O fazendeiro chamou-me para um canto, longe dos olhares da filha e disse:
– Meu genro é um bom rapaz, mas é um perdulário. Você acredita que com menos de um mês de casado ele resolveu ter o luxo de fazer um banheiro dentro de casa? Gastou um dinheirão com azulejos, pisos e um tal de box que tem até porta de vidro. Eu vivi 30 anos nesta fazenda e esse modernismo nunca fez falta para mim e minha mulher!
Escutei calado a prosa do fazendeiro, pois eu é que não ia enfiar a colher de pau em assuntos de família.
Mas o fato me lembrou um caso interessante sobre essas casinhas. Era uma casinha daquelas duplas, em uma fazenda de grande movimento. Um senhor mais velho ocupou uma delas e ficou ali lutando para resolver o seu incômodo. Após uns 40 minutos de luta e suor, entrou um parceiro na casinha ao lado e, após poucos segundos, escutou-se o barulho de algo caindo dento do córrego. O velho senhor, ao escutar o som característico, falou em voz alta para o vizinho da casinha ao lado:
– Você é um sujeito de sorte! Eu estou aqui há quase uma hora e não consigo, e você, mal entrou, já resolveu…!
– Sorte uma ova! O barulho foi o meu relógio de bolso que caiu no córrego…!