O respeito entre as Instituições
Diz a Constituição Federal, em seu artigo 2º, que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Portanto, a independência e a harmonia entre os três Poderes da República são mais dois fatores que fundamentam a nossa democracia, além de constituir em mais um serviço prestado à ordem e à defesa de uma situação cuja expressão é hoje tão citada por juristas e pelos operadores da política brasileira: o estado democrático de direito.
Há alguns dias, o presidente do Senado, Renan Calheiros, aparentemente desequilibrado e que já é réu em alguns processos no STF, concedeu uma entrevista aos meios de comunicação chamando de “juizeco” um magistrado da 10ª Vara Federal de Brasília, que concedeu uma ordem de prisão a policiais legislativos, matéria amplamente divulgada pela imprensa. A resposta da ministra e presidente do STF, Cármen Lúcia, foi imediata. Instada a comentar o fato, a presidente da Alta Corte declarou: “Todas as vezes que um juiz é agredido, eu e cada um de nós, juízes, é agredido. E não há a menor necessidade de, em uma convivência democrática, livre e harmônica, haver qualquer tipo de questionamento que não seja nos estritos limites da constitucionalidade e da legalidade”.
A resposta da presidente do STF tem a sua razão de ser. Para que haja uma sintonia entre a independência e a harmonia preconizadas, é necessário que cada um dos poderes cumpra fielmente o seu papel, ou seja, que o Executivo governe observando as leis e a Constituição; que o Legislativo exerça as suas prerrogativas de fiscalizar o Executivo e cumpra o seu dever de legislar de forma eficiente e clara; e que o Judiciário possa julgar, na forma da lei e no tempo mais curto possível, tudo aquilo que estiver dentro da sua competência.
O sistema democrático do país precisa ainda de muitos avanços, e um deles é exatamente a necessidade de harmonizar e dar uma maior dinâmica aos Poderes da União, hoje emperrados pela burocracia pública e pela má vontade política de seus representantes. Existe no nosso sistema de governo uma cadeia de entraves burocráticos que inibe estes dois princípios constitucionais. Um exemplo claro é a existência da edição em excesso das famosas Medidas Provisórias, editadas pelo Executivo e que têm que ser votadas num prazo máximo de 30 dias e acabam por trancar a pauta do Legislativo, emperrando todo o processo de votação de novos projetos de lei, num círculo vicioso sem fim.
Enquanto isso, o Judiciário se vê às voltas com um emaranhado de leis dúbias e códigos ultrapassados, ressalvando-se, apenas, o novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em março deste ano, constituindo um avanço importante. No mais, o restante da legislação, aliada à deficiência no preenchimento de cargos, já não atende às necessidades atuais, por conta da rápida evolução humana, científica e tecnológica, contaminando, desta forma, todo o processo de julgamento de ações propostas e maculando a instituição por vícios, como a lentidão ou decisões que, invariavelmente, deixam a desejar no atendimento à sociedade.
Embora sejam instituições independentes entre si, como dispõe a Constituição, as mazelas caracterizadas pela burocracia pública fazem com que, na prática, um Poder, às vezes, dependa do outro, sem contar as inúmeras interferências e até eventuais colisões, como a que foi citada e que invariavelmente ocorrem, ficando prejudicados os preceitos constitucionais da independência e da harmonia entre os três poderes.