Um outro ano se aproxima
Na realidade, o tempo cronológico fixado nos velhos e conhecidos calendários, criados pelo homem para registrar o espaço de tempo das suas ações neste mundo, é uma mera ficção. O tempo que de fato nos interessa não é mesmo o “cronos”, essencialmente quantitativo, mas sim o kairós, que se reveste de uma natureza qualitativa e que representa um instante indeterminado, quase um acaso, em que alguma coisa de especial acontece ou que, mesmo não sendo especial, marca aquele momento.
Mas, acostumados à metodização existencial, e em função das nossas inseguranças, apegamo-nos às imposições do calendário, que dita o ritmo da nossa vida e funciona como depositário das nossas esperanças. Vivemos de um desejo contínuo de que algo melhor aconteça no próximo ano.
Interiormente sabemos que vamos continuar a agir da mesma forma, tropeçando nos mesmos erros e se não os mesmos, criaremos outros, pois a existência é um rosário sem fim de ensaios e erros. Mas ainda assim continuaremos fantasiando esperanças pois é da natureza humana acreditar. Se não fosse a esperança a vida seria insuportável.
Neste dois mil e dezenove que se encerra e aqui falamos do “cronos”, a sociedade brasileira teve bons e maus momentos, sentidos na pele. Aqui o “kairós”.
Assistimos a uma transformação sem precedentes em nosso país, com o povo engajado em uma luta sem tréguas pela moralização das nossas instituições. Vimos maus políticos e maus empresários serem atingidos pela Operação Lavajato, hoje motivo de aplauso em todo o mundo civilizado. Vimos as duas Primeiras Instâncias da nossa justiça fazer a Justiça desejada pelo povo e punir exemplarmente muitos delinquentes do poder em sucessivas condenações, mas vimos, por outro lado, a última Instância, que deveria ser a derradeira esperança da nação brasileira, destruir os nossos sonhos e colocar na rua os condenados.
Conquistamos muitos avanços na economia, reformamos parcialmente o nosso precário sistema de Previdência e vimos que não é fácil colocar em ordem uma casa tão bagunçada por quem deveria tê-la dirigido com competência e integridade moral. Por isso, só o desejo não basta para que as coisas cheguem ao seu lugar.
O Brasil precisa mesmo, e com urgência, de uma reforma de cima para baixo e de baixo para cima. Se precisamos mudar os políticos e os dirigentes precisamos mudar paralelamente a nós mesmos, pois os políticos, os empresários e os dirigentes que temos não vieram de outro planeta. Foram gerados em nossa sociedade onde começaram desde cedo a sua formação. Alguns, cultivaram as lições de berço de moralidade, de amor a sua pátria e de respeito ao seu semelhante. Outros, relaxaram as suas consciências e absorveram os germes da corrupção que os transformariam no futuro em alvos da Justiça. Mas apesar de altamente nocivos ao país, não são a maioria e justamente por serem uma minoria, continuamos com a esperança em deixar um Brasil melhor para os que virão depois de nós.
Por isso, ao final deste ano que se encerra cronologicamente, desejamos que o próximo ano seja muito melhor do que este que se encerra porque a esperança se fundamenta não apenas em um tempo que flui na irrealidade de um calendário mas naquele tempo que experienciamos com os atos de todos nós, o kairós, que é o tempo vivido e sentido ao longo da nossa existência.
Um feliz Natal para todos vocês…!