O crime não poderá vencer a Justiça
Quando a ministra Carmen Lúcia ainda era presidente do Supremo Tribunal Federal, ao declarar o seu voto sobre a prisão do ex-senador petista, Delcídio do Amaral, ela destacou: “Parece que o escárnio venceu o cinismo. O crime não vencerá a Justiça”. A ministra Carmen, mineira de Montes Claros, ao pronunciar o voto naquela ocasião, se mostrava pasma com os atos de corrupção que foram pautados para julgamento, e acompanhando o voto do então ministro relator, Teori Zawascki, mandou para a cadeia o líder do governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Parece-nos, que embora consciente da gravidade dos fatos, naquele momento, ao externar o seu voto de forma tão contundente e movido por tanta confiança, não constava dos planos da ministra o surgimento de toda aquela gama de fatos graves que vieram à luz, a partir do aprofundamento das investigações da Operação Lava-Jato. Chegar ao ponto a que chegou a corrupção no país e o volume de malfeitos dos caciques que comandaram a política brasileira nos últimos anos, talvez a tenha deixado surpresa naquela ocasião.
Há duas semanas, escrevi aqui neste espaço que o país precisa de estabilidade, pacificação e segurança jurídica. A estabilidade deveria partir do executivo, hoje preocupado em atirar para todos os lados como uma metralhadora giratória, principalmente, quando idéias contrárias aos seus princípios ideológicos e de seus filhos são afloradas, seja oriunda de seus adversários ou mesmo de parceiros de campanha. Como se trata de um fabricante de crises, a briga agora é com o PSL, legenda pela qual disputou e ganhou a eleição. Já é marca registrada deste governo a beligerância constante. O presidente não tem estopim e quando provocado pela imprensa, por exemplo, o fogo já pega logo na bomba e começa o tiroteio. A pacificação deveria vir através do Congresso uma vez que são chamados de parlamentares e a atividade parlamentar não se resume em apenar fazer leis ou fiscalizar as ações do executivo, mas também, buscar o consenso entre os pares nas questões que sejam de importância para o país. E a segurança jurídica deve ser provida de maneira firme e inequívoca pelo Judiciário.
O fato inegável é que, hoje, estamos testemunhando uma judicialização da política brasileira que se tornou rotineira, tornando os outros Poderes da República, em alguns casos, dependentes de decisões do Judiciário permanecendo em compasso de espera, para depois nortear as suas ações, ainda que haja os preceitos constitucionais da harmonia e da independência.
Muito embora o Judiciário ainda seja considerado uma real tábua de salvação para as questões mais complicadas que assolam o país, temos visto decisões monocráticas de membros do STF que são verdadeiras acrobacias de interpretação da lei.
Como já escrevi em outras oportunidades, não tenho partido, não tenho lado político e muito menos procuração para defender quem quer que seja. Mas há casos dentro da própria Justiça que merecem reflexão. Infelizmente existe hoje um alvo dos políticos e até de membros do Judiciário, que é a desconstrução da Operação Lava-Jato, embora ninguém o admita publicamente. A partir desta semana, o STF vai começar a julgar a validade das prisões de condenados em segunda instância e há uma tendência da Suprema Corte no sentido de mudar o seu próprio entendimento exarado em 2016 e que acabou por levar à prisão diversos figurões da velha política. Em caso de mudança de posição contemplando a presunção de inocência até o trânsito em julgado das sentenças, certamente, voltaremos à era da impunidade que sempre reinou neste país, devido ao esdrúxulo número de recursos à disposição dos criminosos que podem pagar bons advogados para procrastinar a execução da pena. Além desse vai e vem de interpretações da legislação, existem ministros que não podem ver microfones nem os holofotes, que deitam falação a respeito de assuntos pautados para julgamento e que mudam de posição ao sabor dos ventos, posturas que não se coadunam com a liturgia do cargo que exercem. Com esse tipo de conduta, compromete-se a firmeza de propósitos e a segurança jurídica.
Com atuações tão claudIcantes nos três Poderes da República é impossível o país avançar nas principais demandas da população, pois tudo isso gera desconfiança. É isso que a sociedade não pode permitir. Com todo esse imbróglio da judicialização da política, jamais poderá o Poder Judiciário se desviar das suas responsabilidades e deixar voltar o ciclo de impunidades que sempre reinou absoluto no país. Como asseverou a ex-presidente do STF, o crime não poderá vencer a Justiça.