Adellunar Marge: “A última crônica”
Numa singela homenagem a nosso querido professor Adellunar Marge, que nos deixou nesta semana, republicamos neste espaço seu último texto da coluna “Logos”, que por quase oito anos esteve presente em nosso semanário. “A última crônica” foi publicada originalmente em 6 de novembro de 2020.
A ÚLTIMA CRÔNICA
Durante muito tempo eu usei um espaço neste jornal para exteriorizar as minhas emoções através de crônicas semanais que procuravam traduzir a sinceridade dos meus sentimentos e das minhas convicções. Às vezes agradava a alguns, às vezes desagradava a outros e às vezes conseguia até a indiferença de outros tantos. Mas a vida é assim mesmo, ninguém possui unanimidade neste mundo de tanta diversidade de opiniões.
Mas agora sinto-me cansado, não da escrita, mas do compromisso de escrever e manter a coluna Logos, que me acompanha há longos anos como se fosse uma amável tribuna de expressão do meu pensamento. Assim, vou ficando por aqui com esta última crônica neste excelente jornal da minha ex-aluna e ilustre amiga Juliana. Escolhi sempre o nome “Logos” (Logos) para as minhas colunas pelo seu significado que abrange não apenas a palavra mas o pensamento que ela procura traduzir. Palavra e pensamento se confundem no termo grego “Logos”, como no termo latino “verbo”. Por isso, no texto sagrado, o “verbo” se fez carne.
Já havia abandonado o WhatsApp há muito tempo e no Facebook raramente compareço. Mantenho apenas o Endereço Eletrônico, por necessidade neste mundo informatizado… e mais nada. Continuarei escrevendo para mim mesmo no espaço solitário da minha biblioteca, apenas pelo ofício do lazer. Continuarei a convivência tranquila com a minha escrita, onde posso transitar ao largo dos conflitos. Diria que cada um de nós é sempre o melhor companheiro de si mesmo neste complexo mundo das relações humanas.
Por isso vou-me abstendo ou pelo menos restringindo a utilização das redes sociais mesmo reconhecendo que são uma conquista irreversível como “democratizadoras” do direito de fala, uma arena onde todos expõem as suas opiniões através do universo mágico do teclado e a discordância com o pensamento alheio não exige discussões exaustivas, basta deletar o discordante. Vivemos uma nova era no campo das comunicações onde é possível exercitar a tranquilidade da solidão em meio à multidão humana, no exercício da liberdade de ser. Os conceitos são substituídos por opiniões, ainda que sem embasamento, as verdades se pessoalizam monologando o diálogo e o fato é substituído pela “narrativa”. É uma pena que (copiando modelos do exterior) introduziram o conceito inadequado de “lugar de fala”, como meio de calar alguém que fale alguma coisa que não agrade a determinado grupo. Não percebem que, em um mundo tão pleno de liberdades, cada um pode falar do “lugar” de onde quiser e sobre o assunto que quiser. Defender o tal “lugar de fala” é tão absurdo e ingênuo como falar de “apropriação cultural”, como dizem alguns pretensos defensores de minorias. A cultura continuará assumindo o seu caráter de universalidade sem jamais ser patrimônio exclusivo dessa ou daquela etnia. Mas as redes sociais são mesmo esse vasto campo de exposição de ideias, ainda que estapafúrdias, mas que dá a cada um o direito de expor o que pensa. E vai saber o que muitas pessoas pensam por aí…!
Completados no dia 5 deste mês de novembro oitenta anos de idade, posso dizer que se ainda não vi de tudo neste mundo já vi passar muita água por debaixo da ponte… e até por cima dela em enchentes memoráveis e, tirando algumas fobias comuns aos seres humanos, pouca coisa me espanta ou assusta neste vasto mundo das relações humanas.
Agradeço aos ilustríssimos leitores que nesses anos todos tiveram a paciência de ler os meus escritos e me desculpo pelas vezes que, no exercício de exposição do meu pensamento, desagradei ou feri os sentimentos de alguém. Nunca tive a pretensão de ser melhor do que qualquer outra pessoa, mas sou imensamente grato pela agradável e construtiva convivência que tive com vocês.