Lupicínio Rodrigues: o sambista dos Pampas

As grandes expressões em qualquer campo da arte não dependem do lugar em que nascem para se tornarem grandes e reconhecidas por todos. O que faz o artista é a qualidade da sua obra.

Se Lupicínio estivesse vivo teria completado, no último dia 16 deste mês, 105 anos. Lupicínio nasceu em 16 de setembro de 1914 e faleceu em 27 de agosto de 1974. Nasceu e morreu em Porto Alegre, a capital do Estado que tanta amava.

Em um dos seus sambas, Noel Rosa afirma que o samba não nasce no morro e nem na cidade, o samba, segundo o Rei da Vila, nasce do coração.

Lupicínio jamais abandonou a sua Porto Alegre para se aventurar no Rio de Janeiro, a Terra Prometida dos grandes compositores que para ali migravam em busca do sucesso. Foi assim com Alcir Pires Vermelho, quando partiu de Muriaé, com Ary Barroso, que saiu de Ubá, com Ataulfo Alves, que deixou o seu pequenino Miraí, e tantos outros desse Brasil imenso. O Rio de Janeiro era a esperança de todos. Lupicínio jamais deixou a sua Porto alegre.

Aventurou-se por áreas inusitadas. Chegou até a ser Bedel, uma espécie de ajudante administrativo, na Faculdade de Direito da UFRGS, profissão que exerceu de 1935 a 1947. Mas não era o seu destino uma carreira burocrática. Lupicínio foi sempre um homem de decepções amorosas, com o coração tocado por amores apaixonantes e traições inesperadas. Sua vida e seus sentimentos refletiram-se em suas maravilhosas canções, interpretadas pelas maiores expressões do país, até hoje, como Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Ângela Maria, Noite Ilustrada e tantos outros. É difícil, para os apreciadores da boa música brasileira, esquecer de canções como: “Se Acaso Você Chegasse”, “Nunca”, “Nervos de Aço”, “Castigo”, “Ela Disse-me Assim” ou “Cadeira Vazia”, músicas que praticamente contam episódios da vida do grande autor gaúcho.

Inconstante em suas relações sentimentais, Lupicínio Rodrigues também não se fixava nos negócios que abria e que com a mesma facilidade fechava ou transferia, como as Churrascarias e os Bares que teve em Porto Alegre. Seus Bares, mais do que ramos de comércio em busca do lucro, eram pontos de encontro com os amigos para conversarem na maravilhosa linguagem da música.

As suas entrevistas em canais de televisão, (aliás pouquíssimas) mostram um Lupicínio sempre tranquilo, extremamente simpático e com a habitual calma que o caracterizava. Como fazia Cartola, foi sempre um ótimo intérprete das suas próprias músicas, embora elas fizessem sucesso nas melhores e mais famosas vozes do Brasil.

O maior intérprete do repertório de Lupicínio Rodrigues, pelo menos em número de gravações, talvez tenha sido mesmo o cantor carioca Jamelão, famoso por puxar os sambas-enredo da Escola de Samba da Mangueira. Sua voz extremamente grave marcou gravações como “Ela Disse-me Assim”, o maior sucesso de Jamelão. Mas é claro que gosto é muito pessoal. Eu sempre gostei mais das músicas de Lupicínio cantadas por ele mesmo e algumas, pelas magníficas interpretações do Nelson Gonçalves, como “Cadeira Vazia” ou na voz, também agradável e melodiosa do Mário de Souza Marques Filho, o “Noite Ilustrada”, nascido em Pirapetinga, aqui pertinho de Leopoldina e que tanto sucesso fez interpretando as músicas do imortal Lupicínio e a marcante interpretação de “Castigo”, por Dalva de Oliveira.

Lupicínio cantou as desilusões nos amores, que ele teve aos montes e que, tocando-lhe a alma, brotavam em forma de canções. Pode não ter abordado a multiplicidade de temas em seus sambas, como um Cartola, um Candeia ou um Nelson Cavaquinho, mas para cantar a “dor de cotovelo” (termo que ele mesmo criou) foi insuperável…

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